sábado, 5 de abril de 2008

Partilha

Serei eu, seremos nós, capazes de partilhar sinceramente? De estar, ser no mesmo espaço, no mesmo momento, na mesma consciência e no mesmo sentir de outro? Ou de nós mesmos?
Será possível a partilha completa e sincera de um instante sequer entre dois seres? Será possível a nossa inteira e simultânea presença num instante? Será possível esta coincidência?

Nous sommes tous dans un desert. Personne ne comprend personne. É Maupassant quem mo diz, citando Flaubert*. E dias depois Jorge** sublinha que ninguém conhece ninguém. E nada acontece até um dia.

Seremos então prisioneiros em desertos ou em gaiolas de vidro?


Gaiola de Vidro

Como paredes através das quais
o mundo vemos pelo ser dos outros,
quem vamos conhecendo nos rodeia,
multiplicando as faces da gaiola
de que se tece em volta a nossa vida.

No espaço dentro (mas que não depende
do número de faces ou da distância entre elas)
nós somos quem nos somos: só distintos
de cada um dos outros, para quem
apenas somos uma face em muitas,
pelo que em nós se torna, além do espaço,
uma visão de espelhos transparentes.

Mas o que nos distingue não existe.

Jorge**

*No conto Solitude de 1884.
**Personagem do romance Sinais de Fogo de Jorge de Sena, edição de 1984.